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domingo, 29 de agosto de 2010

Quiroga, Poe e seus contos

O conto El crimen del Otro escrito por Horacio Quiroga tem como uma das suas principais características a intertextualidade explícita com o conto O barril de amontilado de Edgar Allan Poe. A narrativa de Quiroga também envolve os mesmos temas do clássico conto de Poe: assassinato, suspense e vingança. Além disso, o estilo de Poe é verificado neste conto, fazendo que se possa chamá-lo quase de um conto-homenagem ao contista americano. Essa atitude é percebida na forma como o autor constrói seu conto de forma similar às narrativas de terror e suspense de Poe. A tentativa de criar uma atmosfera de mistério desde o início, além de utilizar elementos mórbidos na história aumentam a similaridade e dão pistas ao leitor de que o clímax e o desenlace do conto vão se aproximar estilística e tematicamente das obras de Poe. Esta sensação do leitor é confirmada no fim da história, e o paralelo com O barril de amontilado torna-se ainda mais perceptível, fazendo com que o conhecimento prévio deste conto de Poe seja fundamental para o bom entendimento do conto de Quiroga. Algumas similaridades explícitas entre os dois contos residem no fato de que o nome do personagem assassinado é o mesmo nos dois contos: Fortunato; assim como o protagonista da história de Quiroga se auto-nomeia Montresor em referência ao personagem que planeja e assassina friamente o amigo no conto de Poe. Em ambos os contos, o personagem Fortunato é emparedado vivo, e fica aguardando a morte numa agonia aterrorizante. Este desfecho gera uma alegria efusiva no assassino por ter concretizado de forma eficiente sua vingança um tanto despropositada e irracional.
O tipo de narrador é o de primeira pessoa, sendo também o protagonista da história. Dessa forma, a narrativa é contada sob a perspectiva do assassino, que narra todos os detalhes do seu ato cruel. Esse detalhe da narração contribui para criar o clima de tensão e intensidade que permeia boa parte do conto. Essa ideia de narrador em primeira pessoa era defendida pelo próprio Poe, posto que neste tipo de narração, principalmente no conto, a sequência de ações parece mais viva e intensa para o leitor.
Apesar dessa, por assim dizer, imitação do estilo e homenagem à escrita de Poe, é irônico constatar que esse conto de Quiroga muito provavelmente não seria aprovado pelo mestre americano. Basta tomar conhecimento dos recursos que Poe recomendava, através dos seus textos teóricos, para a feitura de um bom conto, para perceber que Quiroga não os segue completamente nesta sua narrativa. Uma ideia defendida ferrenhamente por Poe é a da brevidade do conto, seu pouco tempo exigido para a leitura, posto que este fator ajuda a criar a intensidade e o arrebatamento por parte do leitor. No entanto, este conto de Quiroga se alonga excessivamente: ele abre espaço para passagens descritivas, raciocínios analítico-objetivos, e alguns recursos que passam ao largo da ação principal. Isto faz com que o conto dificilmente seja lido de uma vez só, perdendo o efeito imediato e catártico que o conto deve desperta, posto que o leitor não deveria receber influência do meio externo, ficando concentrado totalmente na tarefa da apreciação da obra durante o pouco tempo exigido pela leitura. Desta forma, a unidade de efeito que Poe propunha fica prejudicada, devido ao fato de Horacio Quiroga não ir direto ao ponto em algumas partes. Este fato faz com que se crie pequenos relatos e passagens que não se enquadram na fluência da ação principal, fazendo com se perca um pouco a unidade de ação.

Ildefonso Alves
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